quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O invejoso

Professor conta história da babilônia para lembrar ataques da velha imprensa
A inveja dos tolos e fanáticos da grande imprensa no Brasil me faz lembrar Arimaze com seu ódio e espírito aborrecido. Na Babilônia explodiu uma grande querela acerca da lei de Zoroastro que proibia comer grifo. — Como proibir carne de grifo — diziam uns, — se esse animal não existe? — Tem de existir — diziam outros, — visto que Zoroastro não quer que o comam. Zadig procurou harmonizá-los, dizendo: — Se houver grifos, não os devemos comer; se não os houver, muito menos os comeremos; e assim, de qualquer modo, obedecemos todos a Zoroastro. — Exclamou Zadig. — “Tudo me persegue neste mundo até os seres que não existem”. E amaldiçoou os sábios. Defronte à sua casa morava Arimaze, personagem que vivia corroído de fel e inchado de orgulho. Não tendo jamais alcançado sucesso na sociedade, vingava-se falando mal dela.
O Invejoso foi ter com Zadig, que passeava no jardim em companhia de dois amigos e uma dama. Conversavam sobre a guerra que o rei acabava de ganhar ao príncipe de Hircânia, seu vassalo. Zadig, que se assinalara, pela coragem, nessa curta guerra, louvava muito o rei e ainda mais a dama. Tomou as suas tabuinhas, e escreveu quatro versos de improviso, dando-os a ler à sua bela companheira. Entretanto, estas foram rompidas de tal modo que cada metade de linha formava sentido e até mesmo um verso de menor medida; mas, por um acaso ainda mais estranho, o conjunto desses quatro pequenos versos também completava um sentido que continha as mais terríveis injúrias contra o rei,
Lia-se, pois:
Pelo crime brutal
Venceu o soberano
Na paz universal
É o único tirano.
O invejoso sentiu-se feliz pela primeira vez na vida. Cheio de cruel alegria, fez chegar ao rei aquela sátira escrita por mão de Zadig; puseram-no em prisão. Não lhe permitiram que falasse, porque as suas tábuas falavam o bastante. Três quartos de seus bens eram confiscados em proveito do rei, e o último quarto em proveito do invejoso. Enquanto ele se preparava para a morte, o papagaio do rei voou do seu balcão e foi pousar no jardim de Zadig, sobre uma moita de rosas. De uma árvore vizinha, tombara ali um pêssego, sacudido pelo vento, indo aplastar-se contra um pedaço de tábua de escrever, a que ficara colado. O pássaro carregou o pêssego e a tabuinha, depondo-os sobre os joelho do monarca. A rainha, que se lembrava do que vinha escrito na tábua de Zadig, mandou buscá-la. Confrontaram os dois pedaços, que se ajustavam perfeitamente surgiram tão os versos tais quais Zadig os escrevera:
Pelo crime brutal era assolada a terra
Venceu o soberano, e libertos nos vimos
Na paz universal somente o amor faz guerra
É o único tirano a quem não resistimos.
O rei ordenou em seguida que trouxessem Zadig à sua presença. Deram-lhe todos os bens do invejoso que o acusara injustamente, mas Zadig lhos restituiu, e o invejoso só se comoveu com o prazer de não perder seus haveres.
* Anderson Lino é historiador e professor da rede pública estadual em São Bernardo.

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